A criança que você pôs no mundo
“A
criança que você pôs no mundo pesa dez libras. É feita de água e um punhado de
carbono, cálcio, azoto sulfato, fósforo, potássio e ferro. Você deu à luz oito
libras de água e duas libras de cinzas. Assim cada gota de seu filho era o
vapor da nuvem, o cristal da neve, da bruma, do orvalho, da água da nascente e
da lama de um esgoto. Milhões de combinações possíveis de cada átomo de carbono
ou de azoto.
Você
apenas reuniu o que já existia.
Olhe
a Terra suspensa no infinito.
O
Sol, seu próximo companheiro, está a cinquenta milhões de milhas.
Nosso
pequeno planeta não é mais do que três mil milhas de fogo recoberto por uma
película que tem apenas dez milhas.
Sobre
esta fina película, um punhado de continentes jogados entre os oceanos.
Sobre
estes continentes, no meio das árvores, arbustos, pássaros e animais – o ruído
dos homens.
Entre
estes milhões de homens, está você, que deu à luz um homem a mais. O que é ele?
Um galhinho, uma poeira – um nada.
É tão
frágil que uma bactéria pode mata-lo; uma bactéria que aumentada mil vezes é
apenas um ponto no campo visual.
Mas
este nada é irmão de vagas do mar, do vento, do relâmpago, do sol, da via
láctea. Esse grão de poeira é irmão de um passarinho, do filhote de leão, de um
potrinho, de um cãozinho.
Neste
nada há qualquer coisa que sente, deseja, observa; que sofre e que odeia; que é
feliz e que ama; que tem confiança e que duvida; que acolhe e que rejeita.
Este grão
de poeira encerra em seu pensamento as estrelas e os oceanos, as montanhas e os
precipícios. E o que é essência da alma senão todo o universo, faltando apenas
as sua dimensões.
É esta
a contradição inerente ao ser humano; nascido de um quase nada, Deus está nele.”
(Janusz Korczak – “Como
amar uma criança”, Rio de Janeiro, Paz e terra, 1984)