Ofereça a sua vida a você
(Calunga - livro "Um Dedinho de Prosa")
"Que beleza a alegria de cada momento! O que é a vida senão esse monte de momentos? Viver o momento com tudo o que ele tem para lhe oferecer, sem pensar. Não pensar em mais nada senão na coisa que está à sua frente, naquilo que você está fazendo, prestando atenção de corpo inteiro; ser integral com esse momento, entregando-se para sentir as sensações. Que presente bom, se você se der a importância e o respeito suficientes para se oferecer assim mesmo sua própria vida, dedicar sua vida a você. Presente divino da natureza, os momentos! Cada momento com suas coisas mais simples, mais vulgares, mais cotidianas. Que beleza você poder ser cotidiana, ser simples e vulgar com esta simplicidade. Que beleza você deixar os seus sentidos viverem com abundância o que existe no agora. Que prazer é viver assim, pois assim é o prazer da vida. O prazer da vida é o alimento do espírito. O espírito se alimenta, minha filha, não é de preces, não é de religião, nem só de amor. O amor verdadeiro é se deixar amar. O se deixar amar é se deixar gostar. E se deixar gostar é gostar de cada momento, encontrando nele o seu melhor pensamento, a sua melhor atitude, dirigindo a sua atenção para o atraente, para o melhor, para o mais bonito, para o mais eficiente e para o mais admirável. Se você se der o prazer, vai disciplinando a suamente a não se transformar num instrumento de sofrimento e dor, como ela é até agora. Você vai vencendo a ansiedade e a angústia, vai vencendo as expectativas, o criticismo, o julgamento, as idéias erradas, o medo, todas as desgraças. E, acima de tudo, vai matando todas as fomes que você tem de alma, de ser humano. As pessoas pensam: - Puxa, Calunga, eu sofro muito. O mundo é terrível. As pessoas são muito ingratas, não ligam para as outras. As pessoas são agressivas e violentas, são indiferentes. - Mas será que você não está falando das suas necessidades? Será que não é você que é violenta consigo, indiferente consigo? Será que não é você que não se deu a atenção devida? O que é, em poucas palavras, a gente dar atenção para nós mesmos? Atenção para si é prestar atenção nas coisas, é senti-Ias de corpo inteiro a cada momento. Neste momento, você me ouve e nossa energia se entrelaça: há o seu interesse de ouvir e de aprender e o meu interesse de me repartir com você, de me expandir na sua atenção. O seu momento está cheio do que você está fazendo aí. O momento é o momento. E esse seu momento está cheio do seu corpo. No seu corpo, há centenas de sensações por minuto, sensações que são vida. O pensamento quer levá-Ia para onde você não está. Levá-Ia para as fantasias, muitas vezes, mórbidas, esquisitas, destrutivas. Muitas vezes, leva ao delírio da divagação do impossível. No entanto, o seu corpo permanece ali, presente, firme, lembrando-lhe a realidade. Que o alimento diário é a realidade. São as milhões de sensações da luz, das pessoas, das coisas que você está sentindo, do que está fazendo. Quando o pensamento se harmoniza com o presente, quando ele se integra, a inteligência nos ajuda a fazer a nossa vida melhor. Quando nós ignoramos o presente, o momento, as sensações e deixamos nossa cabeça funcionar, criamos a mente, ou a mentalidade, que são os monstros que nos perseguem. Se você quer melhorar a sua auto-atenção, para evitar essa busca constante da atenção alheia, da dependência do outro, do carinho e da presença do outro, a custa de sacrifícios terríveis para você, se dê você a você mesma, dê atenção às suas impressões cotidianas. É tão simples, tão barato, tão fácil que basta apenas o seu capricho para consigo para que você melhore profundamente a sua qualidade de vida. É um exercício porque você não está habituada a isso, está habituada a pensar, desfazendo-se dos momentos e a passar dias, horas e semanas longe dos seus momentos. No entanto, é necessário um exercício de atenção e persistência para restabelecer a sua relação com a vida, com o momento. Essa paz e essa satisfação geram em você a satisfação do futuro. Portanto, namore os seus momentos! O valor que se dá à vida, A vida retribui em valores. A vida traz coisas preciosas que para você terão grandes significados, seja o preenchimento de suas metas, seja o preenchimento das suas necessidades fundamentais, seja o carinho com que ela traz as coisas fáceis na nossa mão, a beleza dela. Você não pode ver a beleza, porque vê apenas a sua mente. Preso à mente, você não percebe os encantos da vida. Para você a vida é dura e difícil, uma luta constante que, na verdade, não passa de um tormento e de um pesadelo que você vive na sua cabeça. O curso da vida continua como um rio que não pára. Continua sempre bonito, sempre farto, sempre estimulador e amoroso, porque somos os filhos da vida. E ela nos trata com imensos cuidados. No entanto, a nossa falta de vigilância, a nossa irresponsabilidade para com ela e para conosco nos leva a criar hábitos mentais que nos distanciam dos momentos. A dor e o sofrimento, portanto, são apenas os chamados da vida, o alerta para as sensações. Quanto maior a dor, mais estamos alienados de nós, da nossa verdade, dos nossos momentos. Portanto, a dor tem esse papel. Infelizmente, é o único que faz com que nós reacordemos para aquilo que somos, para aquilo que está acontecendo. É muito fácil entrarmos na mente e nos fascinarmos por ela. Fascinarmos pelos pensamentos, pelas imagens, pelas projeções, arder em desejo. E o desejo é mais forte quanto maior for a nossa alienação de nós. Somos distantes das nossas verdades, somos distantes das nossas verdadeiras necessidades. Interpretamos as nossas necessidades da maneira mais absurda e transformamos as nossas necessidades em desejos e os desejos nos aprisionam nos impulsos enfurecidos que sempre nos levam a grandes decepções, a grandes mágoas, a grandes perdas. Acordar para a vida verdadeira, acordar para a sua verdade a cada instante, ir fundo na percepção real de suas necessidades. Essa é a nossa meta, o nosso método, o nosso meio simples: atenção para si, atenção para suas sensações. Esquecer esse imenso poder que você deu para os outros e começar a reconsiderar-se, a olhar para si e a se dar o poder, o poder de estar em si, preencher-se, lotar-se. Esquecer o mundo e os valores que a sua mente lhe ensina: dar importância demais para os outros, da necessidade do outro, da necessidade das pessoas em volta de nós, do falatório com o qual a gente se perde tanto para ouvir o seu corpo que fala, para ouvir as suas sensações que lhe falam, para ouvir o que o seu íntimo lhe fala. Em nós, o Universo habita. O Universo habita em cada casa interior. É ali que Ele nos ensina os mistérios da existência. Os sábios são aqueles que vivem da própria fonte interior. E todo mundo pode ser um sábio, sem jamais cursar uma universidade, sem jamais ir a uma escoIa, pois a escola da vida é o reconhecimento de que as verdades estão dentro de nós. Este curso de aperfeiçoamento interior é você mesmo que se dá, se sentir que tem verdadeiramente a coragem de sair da sua mente e cair no seu coração. Ali, no interior, fala a voz daquele ser no seu peito que quer e que precisa apenas da sua atenção, apenas da sua confiança em si para brilhar e gozar as delícias da sua vida hoje. Pois a sua vida está cheia de coisas hoje que você não está vivendo. Não precisamos, portanto, sofrer e lutar para conquistar a paz. Não precisamos do sacrifício e da mortificação a fim de que encontremos a bênção do Poder Universal no futuro, porque Ele lhe abençoa hoje. Sua bênção está aqui agora. O pão que sacia a fome do espírito está na mesa. É você que não olha para ela. O seu banquete é agora. Seu banquete é neste instante. Por que você não relaxa no instante? Relaxe da sua mente, relaxe dos seus delírios do passado, das angústias do futuro e relaxe neste instante. Fique com este instante, abrace-se no instante. Deixe penetrar em você as vibrações da vida no fluxo constante de suas transformações. Vamos, é tão simples! "
(Calunga - livro "Um Dedinho de Prosa" - piscografado por Luis Antônio Gasparetto)