O mistério eterno do Universo é a sua compreensão.”
(ALBERT EISTEIN)

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quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Cosmologia


          O Cosmos foi descoberto somente ontem. Por um milhão de anos era claro para todos que não havia outros locais senão a Terra. Então no último décimo por cento da duração da vida da nossa espécie, no instante entre Aristarco e nós, relutantemente notamos que não somos o centro e o propósito do Universo, mas vivemos em um mundo diminuto e frágil perdido na imensidão e eternidade, impelido em um grande oceano cósmico salpicado aqui e ali com cem bilhões de galáxias e um bilhão de trilhão de estrelas. Bravamente testamos as águas e descobrimos que o oceano era como queríamos, consoante com a nossa natureza. Algo em nós reconhece o Cosmos como o lar. Somos feitos de cinza estelar. Nossa origem e evolução está ligada a eventos cósmicos distantes. A exploração do Cosmos é uma viagem de autodescoberta.
          Como os antigos fazedores de mitos sabiam, somos crianças igualmente do céu e da Terra. Em nosso título de posse neste planeta acumulamos uma bagagem evolucionária perigosa, propensões hereditárias para a agressão e o ritual, submissão aos líderes e hostilidade aos estranhos, que colocam nossa sobrevivência em questão. Mas também adquirimos compaixão pelos outros, amor pelas nossas crianças, um desejo para aprender através da história, e uma grande inteligência impetuosa e desmedida – as ferramentas óbvias para a continuação da nossa sobrevivência e prosperidade. Quais os aspectos da nossa natureza que prevalecerão não sabemos, particularmente quando nossa visão, compreensão e perspectivas estão limitadas exclusivamente à Terra, ou pior, a uma pequena parte dela. Mas lá em cima, na imensidão do Cosmos, uma perspectiva inescapável nos espera. Não há ainda sinais óbvios de inteligência extraterrestre, e isto nos faz ter curiosidade em saber se as civilizações como a nossa sempre correm de modo implacável e imprudente para a autodestruição. As fronteiras nacionais não são evidentes quando vemos a Terra do espaço. Chauvinismos fanáticos nacionais, religiosos ou étnicos são um pouco difíceis de serem mantidos quando vemos nosso planeta como um frágil e pálido crescente azul, tornando-se um ponto imperceptível de luz contra o baluarte e a cidadela de estrelas. Viajar é ampliar.
          O custo das maiores aventuras no espaço – bases permanentes na Lua ou a exploração de Marte pelo homem, por exemplo – é tão grande que elas não serão, penso eu, consideradas em um futuro próximo, a menos que haja progressos dramáticos no desarmamento nuclear e “convencional”. Mesmo assim, existem provavelmente necessidades mais prementes aqui na Terra. Mas não tenho dúvidas de que, se evitarmos a autodestruição, mais cedo ou mais tarde executaremos estas missões. É quase impossível manter uma sociedade estática. Há um tipo de interesse múltiplo psicológico: mesmo uma pequena tendência ao cerceamento, uma saída para o Cosmos, somou em muitas gerações um declínio significativo. E inversamente, mesmo uma ligeira inclinação a aventuras além da Terra – o que podemos chamar, depois de Colombo, “o empreendimento das estrelas” – montou por muitas gerações a importância da presença humana em outros mundos, sem júbilo em nossa participação no Cosmos.
          Há 3.6 milhões de anos, no que agora é chamado de norte da Tanzânia, um vulcão entrou em erupção; a nuvem de cinzas resultante cobriu as savanas adjacentes. Em 1979 a paleontóloga Mary Leakey descobriu nestas cinzas petrificadas as pegadas, acredita ela, do primeiro hominídeo, talvez um ancestral de todas as pessoas da Terra de hoje. E a 380.000 km de distância, em um local plano e seco, a que seres humanos em um momento de otimismo chamaram de Mar da Tranquilidade, há uma outra pegada, deixada pelo primeiro ser humano a andar em outro mundo. Fomos longe em 3,6 milhões de anos, e em 4,6 e em 15 bilhões de anos.
          Somos a personificação local de um Cosmos que cresceu pelo autoconhecimento. Começamos a contemplar nossas origens: material estelar meditando sobre estrelas; assembleias organizadas de dezenas de bilhões de bilhões de bilhões de átomos considerando a evolução dos átomos, traçando a longa jornada através da qual, pelo menos aqui, a consciência surgiu. Nossas lealdades são para com a espécie e com o planeta. Nós respondemos pela Terra. Nossa obrigação quanto à sobrevivência é devida não somente a nós mesmos, mas também a esse Cosmos, antigo e vasto, do qual surgimos.




(Carl Sagan – “Cosmos” )

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